A parte mais interessante deste método são os ingredientes. A receita em si não tem fundamentalmente nada de novo, pois leva em conta as quatro tipologias de atividades envolvidas no aprendizado de um idioma: ouvir (compreensão oral), ler (compreensão escrita), falar (produção oral, interação oral) e escrever (produção escrita, interação escrita). O eixo angular dessas 4 atividades envolve alguns detalhes de aplicação prática, que tem o poder de mudar a eficácia com a qual você superará a estagnação e alcançará resultados.
Ingredientes para implementar o método
* Ter Urgência de solucionar algum problema
Ter alguma questão que precisa ser solucionada com urgência é um fator poderoso. Ainda mais se a solução e o processo vão agregar valor a algum aspecto da sua vida universitária, profissional, relacional, psicológica, emocional… Pense, por exemplo, na questão de tirar um duplo diploma Brasil/África do Sul, onde tem que apresentar um certificado de proficiência no idioma do outro Estado. Exemplo rico, posto que a África do Sul tem nada menos que 11 línguas oficiais…
* Ter um prazo
Ter um prazo vale ainda mais se for imposto por algum fator ou agente externo a você: certificação exigida pela universidade parceira; entrada na vida ativa (arrumar um primeiro emprego) e a necessidade de passar para uma etapa diferente da sua vida.
* Escrever seus centros de interesse
Escrever uma listinha de coisas que você se interessa, coisas que você gostaria de conhecer, fazer, mudar, descobrir, transformar, criar, desenvolver, robustecer pode ajudar. A escrita, além de ajudar você a compreender a si mesmo enquanto pessoa, pode te ajudar a visualizar melhor teus próximos passos, as atitudes a tomar, as possibilidades de exploração etc.
*Pensar em alguma finalidade adicional aleatória e colateral
Isto é, pensar em algo que já não faz parte das tuas obrigações ou atividades do dia a dia; algo que traga um ar fresco, um ar de novidade e que provoque um ânimo, um entusiasmo; mas também que te pareça um pouco assustador. Vai te tirar da tua zona de conforto, mas só terá o mérito de te deixar mais clara alguma potencialidade ou característica tua.
As estratégias de Manu[sKritur] em ação
Antes do mais, um capricho estilístico de Manu[sKritur]
Em vez da tradicional classificação com hashtags e números, vamos adotar aqui quatro letras do alfabeto eʋe. Elas são particularmente difíceis de se pronunciar para quem não teve contato precocemente com este idioma. São sons que aparecem mais ou menos frequentemente em sobrenomes dos países onde o eʋe é falado (essencialmente Ghana e Benin, além do Togo). Alias, é engraçado que até quem tem o eʋe como idioma materno, quando mergulha em espaços linguísticos, apresenta dificuldade em pronunciá-las corretamente. Começa a usar (por cansaço de corrigir ou até por preguiça) o jeito do lugar, que consiste basicamente em pronunciar essas letras ditongando elas, ou seja, como se fossem dois sons distintos e não um só. É um capricho que aqui usamos para significar que as quatro atividades tem cada uma a sua importância, quando se quer fazer coisas com idiomas. Uma outra vez vamos pronunciar estes sons para você ouvir eles, fique ligada/o.
gb) Ouvir ===>Escutar
Até o ano passado, eu podia ouvir inglês. Quando passava pela sala, podia ouvir alguém falando em inglês na tevê. Eu era capaz de detectar direto que se tratava do inglês. Dava para pegar trechos da fala e entender o sentido geral (também as imagens ajudam, assim como os tons da voz e o contexto apresentado em linhas gerais). Era praticamente imprescindível ter outras informações acompanhando a fonte da fala para eu captar alguma coisa da situação: imagens, subtítulos, conhecer o canal de difusão, o tema da fala e por aí vai.
Hoje posso ouvir inglês sem nenhuma informação visual: não preciso de imagens, nem de subtítulos, nem ter lido o título ou ter tido noção do assunto que está sendo tratado. Posso acompanhar programas radiofônicos, podcast, áudios no Whatsapp, até gêneros de música mais exigentes. E posso fazer isso e entender (bastante) bem o que está sendo dito enquanto faço outras atividades, como tarefas domésticas ou dando um passeio. Precisão: você entende não somente o que está sendo dito, mas você também reflete sobre, tem perguntas e aprende algo sobre aquele universo cultural.
O que aconteceu?
Aconteceu que, do simplesmente ouvir, passei ao escutar. Um indício de que a sua proficiência está crescendo e de que você superou a estagnação é quando, além de ouvir, você também escuta o idioma.
kp) Ler
Ler. Ler muito. Ler qualquer coisa ao seu alcance, como recomenda a tradutora italiana Franca Cavagnoli em seu livro La você del testo (confira a bibliografia ao fim do texto). Não precisa ler integralmente, já vale ler partes, trechos, fragmentos dos textos mais variados. Isso permite ter uma ideia sobre a variedade expressiva do idioma. Mas, sobretudo, ensina de forma passiva a escrita do idioma. Graças à leitura, pode-se ver concretamente como o idioma opera, através da ortografia, da gramática e da criatividade daquele universo linguístico em ação. Com a leitura, você ganha vocabulário e expressividade. O maior proveito vem da leitura de textos que podem solucionar alguma problemática ou satisfazer uma pesquisa sua. A melhor coisa que você pode fazer é procurar textos relacionados a algum item da sua lista de centros de interesse e, desta forma, descobrir o que os autores do idioma que está aprendendo propõem.
Uma técnica que vai otimizar seu aprendizado é a leitura em voz alta. Às vezes o texto começa a fazer sentido justamente quando você lê ele em voz alta. Mais tarde, quando começar a produzir seus próprios textos, lê-los em voz alta é um instrumento valioso para se autocorrigir e fazer as revisões. Se trata do famoso “passer [le texte] au gueuloir”, de Gustave Flaubert.
Mas por que ler?
Ler por que a leitura nos acostuma as alusões e referências culturais específicas ao idioma que estamos aprendendo, ou no qual estamos nos aprofundando. E porque isso nos leva a sair do nosso etnocentrismo instintivo ou, pelo menos, a ter maior consciência sobre ele.
No geral, vale a dica inspirada na leitura do artigo da intérprete Michelle Hof. O artigo fala sobre a construção de cultura geral para intérpretes e aspirantes a intérpretes. A autora ressalta a utilidade de recursos que podem compensar nossas lacunas no conhecimento das culturas inerentes ao idioma que estamos adquirindo. Isto é, você também pode ler algo específico relativo à história ou à cultura do país (ou dos países) em que se fala a língua que está aprendendo. É uma maneira de “kill three birds with a stone” (é isso mesmo: “matar três pássaros com a mesma pedra”!). Ou seja, você acaba obtendo informações que irão aumentar sua cultura geral; você aprende o idioma em contexto e descobre alguns vocabulário e expressões específicas da área tratada no texto que escolheu.
ʤ) Falar
Neste aspecto, nenhuma novidade ou detalhe verdadeiramente novo. Pratique a fala com alguém, de preferência um nativo/uma nativa ou uma pessoa com um nível muito bom. É importante que você escolha olhar para esse indivíduo como uma pessoa importante para você no seu percurso de vida ou para seu percurso profissional. Procure falar com alguém que você ainda não conhece bem mas que gostaria de conhecer melhor, ou que seria importante para seu percurso conhecer, trocar ideias, tecer um relacionamento, que seja em nível de amizade, de colaboração profissional ou outros.
Ainda melhor se forem vários alguéns, várias pessoas. Um fator particularmente eficaz é o de ter que expor tuas ideias a este alguém, ter que conversar com esta pessoa sobre os temas mais variados. Isso te moverá a procurar as palavras, as expressões, as estruturas necessárias para te comunicar, passar tuas ideias, reflexões, teus pedidos de conselho, de ajuda, de retorno da forma mais próxima possível a como você elaborou tudo isso na sua cabeça. Uma dica: fique de olho e procure uma pessoa com a qual você se sinta à vontade, mas para com a qual sinta ao mesmo tempo alguma pequena pressão, causada pela vontade de evolução no relacionamento. Em suma, procure uma pessoa (ou várias) com a qual o relacionamento em construção conjunta adicionará valor às vidas de ambos.
ɣ) Transcrever ==>Escrever
Muitos métodos recomendam recopiar e traduzir textos de músicas ou poemas para aprender um idioma de forma mais eficaz, pois leva a adquirir vocabulário e a exercer a memória musical. É um ótimo método. Porém, antes dessa etapa, nós de ManusKritur sugerimos a transcrição de falas, de textos declamados, de poemas ou até de diálogos de filmes. De fato, a transcrição demanda uma concentração específica para pegar o que está sendo dito, separar as várias partes (palavras longas, liasons, expressões idiomáticas e “idiomíticas”) e começar a entender como funciona a musicalidade (na fala) e a pontuação (na escrita) do idioma que está aprendendo. Transcrever pode ser particularmente proveitoso no aprendizado de idiomas em que as palavras, independentemente do sotaque de cada locutor, se escrevem realmente de forma diferente de como elas são pronunciadas (idiomas diferentes do italiano e do swahili, para pegar exemplos de áreas geográficas e culturais bastante distantes).
Transcrever constitui uma ótima modalidade de autoavaliação e aquisição de consciência no que diz respeito ao funcionamento ortográfico do idioma. De fato, com o que você aprendeu e continua aprendendo com a leitura, a fala e a escuta, você se tornará cada vez mais hábil em detectar seus próprios erros na escrita, corrigí-los e até desenvolver truques para não repeti-los.
A transcrição é uma etapa valiosa, pois te levará a poder escrever. E escrever segundo o espírito de escrita próprio daquele idioma, sem reproduzir as bases da tua língua materna (ou de outras que você conhece, fala, escreve) é o que leva à superação da estagnação. Assim, você poderá produzir seus próprios textos ou cumprir aquelas tarefas temidas nos exames de proficiência com muito mais serenidade e autoconfiança.
O que transcrever?
Cada idioma tem recursos específicos à oferecer em termos de cultura, literatura, métodos, conhecimentos, criatividade, desenvolvimento intelectual, desenvolvimento pessoal, aprendizado, resolução de problemas… Aliás, nisso cabe uma das possibilidades mais inestimáveis que se ganha ao aprender um idioma.
Transcreva áudios nos quais você esteja procurando alguma coisa além do simples interesse linguístico que eles têm. Se você estiver transcrevendo (ou tomando notas no idioma do áudio) algum conteúdo que deve responder a uma problemática que você quer solucionar; ou algum conteúdo que proporciona ideias, pistas, soluções e inspirações referentes a um item da tua lista de centros de interesse. Você ficará duplamente atento, terá mais foco e conseguirá se concentrar melhor e manter a disciplina necessária para completar o exercício. Buscar conhecimento tem uma característica de ouro: ninguém quer, conscientemente, adquirir um conhecimento defeituoso. Daí, na transcrição de um conteúdo, você tem uma grande responsabilidade sobre a qualidade da sua própria aquisição, pois é você mesmo quem está escolhendo qual informação reter e como anotá-la.
Quê mais?
Já parou para pensar sobre o que você poderá fazer uma vez que tiver se desbloqueado da estagnação no seu aprendizado? Hoje, com o que os últimos doze meses nos mostraram, uma outra preocupação vem ocupando espaço: o alcance. Alcançar as pessoas, alcançar objetivos, alcançar coisas, alcançar possibilidades, alcançar etapas, alcançar a realização pessoal, alcançar a felicidade… Alcançar, independentemente de isolamentos e distanciamentos sociais.
O que você poderá alcançar aprendendo esse idioma que você escolheu e no aprendizado do qual talvez você esteja estagnando? Já parou para pensar? E para concluir, você já pensou em quem poderá alcançar uma vez que terá superado a sua estagnação?
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Heitor Augusto Colli Trebien para a revisão deste texto!
BIBLIOGRAFIA MULTILINGUE
(Lista de leituras que nos levaram até a escrita deste texto)
BÂ, Mariama, Une si longue Lettre, Monaco, éditions Motifs, n° 137.
CARTAGINESE, Claude (dir.), The Polyglot Project – YouTube Polyglots, Hyper-polyglots, Linguists, Language Learners and Language Lovers, in their Own Words, s. d., [Online], https://www.fluentin3months.com/wp-content/downloads/The_Polyglot_Project.pdf, [Outubro 2020].
CASSIN, Barbara, Quand dire c’est vraiment faire – Homère, Gorgias et le peuple arc-en-ciel, Paris Fayard, 2018.
CAVAGNOLI, Franca, La voce del testo – L’arte e il mestiere di tradurre, Milano, Feltrinelli, 2019.
GREENE, Robert, Mastery, London, Viking Penguin, 2012.
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